Meditando na Palavra

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Escola de Leitores

Este espaço visa ser um veículo de comunicação e interação entre Cursistas e Formadores do Curso de Leitores para Ministros da Palavra, promovido pelo Conselho Pastoral de Lagoa Real - Bahia.
Nosso propósito é capacitar homens e mulheres para o anúncio do genuino Evangelho de Cristo em nossas Celebrações Litúrgicas.

No amor do Cristo;

Gilmar Santos
Coord. do Conselho Pastoral.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

LIVROS PROFÉTICOS - Síntese

Livros Proféticos

Isaias
O livro de Isaías apresenta como título «Vi¬são de Isaías, filho de Amós» (1,1) e apa¬rece como o primeiro dos “Profetas posteriores”, em relação aos “Profetas anteriores” (Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis). É uma obra de 66 capítulos, com três partes muito dis¬tin¬tas na época, na temática, na inspiração literária e nos autores: Primeiro Isaías: 1-39; Se¬gundo Isaías: 40-55; Ter¬ceiro Isaías: 56-66. Apresentaremos uma breve intro¬dução antes de cada um desses blocos, partindo do pres¬su¬posto de que se trata de três profetas diferentes, cujos escritos foram reco-lhidos sob o nome comum do profeta Isaías, do séc. VIII a.C..
CONTEXTO HISTÓRICO

Para compreendermos o contexto destes três pro¬fetas, será útil não esquecer os se¬guin¬tes factos históricos da sua época: 740: morte de Ozias; Jotam, rei de Judá; vo¬cação de Isaías. 736: Acaz, rei de Judá (736-716). 734: guerra Siro-efraimita. 732: a Síria é anexada pela Assíria. 721: queda da Samaria e fim do Reino do Norte. 716: Ezequias, rei de Judá (716-687). 703: embaixada de Merodac-Baladan. 701: invasão de Senaque¬rib. 587: queda de Jerusalém. 539: queda da Babilónia. 538: édito de Ciro. 520-515: reconstrução do Templo. 445-423: Neemias em Jerusalém. 397: Esdras em Jerusalém.

 
TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ

Isaías prega a política da fé («se não acre¬ditardes, não subsistireis»: 7,9) e da confiança em Deus, razão por que a sua profecia está eivada de te¬mas messiânicos ligados à dinastia, se¬gundo as promessas fei¬tas por Deus a David (2 Sm 7,13-16).

O messia¬nismo de Isaías arranca deste chão dinástico, que vai in¬fluen¬ciar deci¬si¬vamente as correntes mes¬siâ¬nicas posteriores e o messianismo de Jesus Cristo, tão bem expresso nos evan¬ge¬lhos da infância de Mateus e Lucas. Ligado ao tema da fé, está o tema central da santidade de Deus (1,4 nota; 6,3-4) e o tema do “resto” (1,9 nota; 4,3 nota; 6,13; 10,20-22).

PRIMEIRO ISAÍAS (1,1-39,7)

É um profeta ligado à corte, mas não dos profetas áulicos dependentes dos reis, pois manifesta-se sempre livre e independente, pronto para criticar os pecados dos reis, dos nobres e do povo em geral. A sua personalidade foi de tal modo forte, que a tradição funde na sua pessoa as três partes do livro que leva o nome de Isaías.

DIVISÃO E CONTEÚDO

O Primeiro Isaías é uma das grandes obras da literatura universal. O autor é um grande poeta que usa a lei das asso¬nâncias e sabe tirar partido dos sinais dos tempos. É um grande teólogo da História, que fala através de símbolos e metáforas com uma carga emotiva e apela¬tiva muito profunda. O estilo é clássico e nobre.

O livro é formado por colecções de oráculos (mensagens), cânticos, apoca¬lipses, agrupadas mais segundo os temas do que segundo a ordem crono¬lógica. Deste modo, temos:

I. Oráculos sobre Judá e Jerusalém (1,1-6,13).

II. Livro da Consolação (7,1-12,6), que corresponde ao tempo da guerra siro-efraimita. Também é chamado “Livro do Emanuel”.

III. Oráculos contra as nações estrangeiras (13,1-23,18).

IV. Apocalipses (24,1-27,13 e 34,1-35,10), que anunciam a renovação futura (escatologia) e são de um autor pós-exílico.

V. Oráculos de salvação de Israel e Judá (28,1-33,24).

VI. Apêndice Histórico, relacionado com o reinado de Ezequias (36,1-39,8).

SEGUNDO ISAÍAS (40,1-55,13)

Os capítulos 40-55 constituem a segunda parte do livro de Isaías, por isso, chamado Segundo Isaías ou Dêutero-Isaías. A história destes poemas narrativos tem a ver com o regresso dos judeus depois do cati¬veiro da Babilónia. A primeira deportação dos judeus para a Babilónia deu-se em 597; em 586 é a conquista de Jerusalém e a segunda deportação.

 
AUTOR

O profeta a quem chamamos Segundo Isaías exerce o seu mi-nistério profético durante a última parte do exílio babilónico, exortando os judeus a não desanimarem. Para isso, apresenta o Deus-Javé, criador do céu e da terra, Senhor da vida e da História, como o único Deus; diante dele, todos os deuses babilónicos, a começar por Marduc, nada são e nada valem.

 
DIVISÃO E CONTEÚDO

Este livro divide-se em duas partes: Deus Liber¬tador (40,1-48,22) e Restauração de Sião (49,1-55,13).

TEOLOGIA

Em 539, o rei Ciro da Pérsia derrota o rei babilónico Nabó¬ni¬des, cruza o Tigre e conquista a Babilónia. No mesmo ano, Ciro publica um édito sobre a libertação dos judeus. O Segundo Isaías continua a sua doutri¬nação, cujos conteúdos perfazem os nossos capítulos 40-55: descreve o segundo êxodo como superior e mais glorioso que o primeiro, o de Moisés; da História con¬creta passa à Teologia do Deus criador e salvador, de modo que a Teologia comanda a História, pois tudo depende do mistério da vontade divina inscrito no centro da mesma História.

É o primeiro evangelista da História da Salvação, que anuncia a Boa-Nova da salvação-libertação com imagens e símbolos que ultrapassam qual¬quer história. Destacam-se nele os famosos Cânticos do Servo (cap. 42; 49; 50,4-9; 52,13-53,12), que se integram nas duas partes deste livro: 40-48 e 49-55.

O autor é mais poeta e teólogo que historiador. De facto, o estilo do Segundo Isaías é muito diferente do Primeiro, pois quem impera e tudo comanda no Segundo é a retórica ao serviço da Teologia e da Fé.

TERCEIRO ISAÍAS (56,1-66,24)

 
Tal como nada sabemos do chamado Dêutero-Isaías, também nada sabemos do chamado Trito-Isaías, para além deste texto bíblico. Tam¬bém se refere a si próprio (61,1-3; 62,1.6), um pouco à maneira do pro¬feta anterior. O estilo assemelha-se ao do Dêutero-Isaías, na riqueza das imagens.

 
CONTEXTO

O contexto histórico destes capítulos situa-se em Judá, depois do regresso dos exilados da Babilónia.

 
TEOLOGIA

Predomina a visão escatológica, através dos opostos:julga¬mento dos inimigos e salvação dos israelitas, oposição entre povo fiel e infiel. O profeta pretende inspirar confiança e fé ao povo, no meio das dificul¬da¬des, do desânimo e da pobreza.

Jeremias


Jeremias é o nome dado ao livro do profeta cuja vida melhor conhecemos, pois a sua obra nos oferece inúmeros dados, tanto pessoais como sociais e históricos, relativos ao seu tempo. Nasceu por volta de 650 a.C., em Anatot, aldeia da tribo de Benjamim, situada a uns 5 km a nordeste de Jerusalém, de uma família de ascendência sacerdotal. Este facto marcará de forma decisiva a sua mensagem, especialmente a vinculação às tradições provenientes das tribos do Norte e a insistência com que sublinha a importância da aliança de Moisés. No que diz respeito à sua personalidade, temos diversos capítulos de carácter autobiográfico: 1; 20,1-6; 26; 28-29; 34,8-22; 36-38; 45. Mais significativos ainda são os textos chamados “confissões”, em que ele testemunha, a par das suas angústias, o seu enamoramento por Deus: 11,18-12,6; 15,10-21; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18.

CONTEXTO HISTÓRICO

Jeremias viveu num dos períodos mais conturbados da história do povo de Israel: o fim do reino de Judá e a destruição de Jerusalém (587/86) pelo império da Babilónia; e foi chamado à vocação profética ainda na sua juventude (1,6-7), no ano treze do reinado de Josias (1,2), em 626. Numa primeira época manifesta a esperança na restauração da unidade do povo, tarefa na qual se empenhara o rei Josias, através da sua reforma religiosa, com um momento forte em 622 (2 Rs 22,1-23,30), e estava centrada no movimento deuteronomista.

Com as mudanças políticas que se deram no Médio Oriente, a partir de 625, altura em que a Babilónia começou a impor-se politicamente, essa esperança foi-se esfumando pouco a pouco; e, com a morte do rei Josias às mãos do faraó Necao (em 609), fica traçado o destino do reino, devendo o profeta suportar as trágicas consequências daí resultantes.

Os dois reis que sucederam a Josias, Joaquim (609-597) e Sedecias (597-586), apenas adiaram por algum tempo o destino já traçado sobre Jerusalém após a morte de Josias. Podemos dizer que Jeremias se viu confrontado entre o imperativo da sua missão profética e a perseguição sistemática por parte dos seus contemporâneos, que o acusavam de estar na origem do descalabro da pátria. São deste período os oráculos mais dramáticos do livro, que reflectem a experiência do profeta e a tragédia iminente que pairava sobre Jerusalém e o reino de Judá.

 
A OBRA DE JEREMIAS

O livro de Jeremias teve uma composição lenta no tempo e muito complexa. De acordo com os dados do cap. 36, o profeta não escrevia; para isso tinha um “secretário” (Baruc), que registou os seus oráculos e os leu no templo. O rei Joaquim mandou queimar aquela que terá sido, na linguagem moderna, a primeira versão do livro do profeta; este refez os seus oráculos, acrescentando outros. É a melhor fonte que possuímos acerca da situação política e social do seu tempo, razão pela qual tem sido objecto de inúmeros estudos, que nos possibilitam um melhor conhecimento de uma época tão conturbada.

CONTEÚDO

Para além do relato da vocação do profeta (1,4-19), o texto de Jeremias pode dividir-se nas seguintes secções temáticas:

I. Oráculos dirigidos ao povo de Deus: 1,1-25,14.

II. Oráculos contra as nações estrangeiras: 25,15-38.

III. Relatos biográficos de Jeremias: 26,1-45,5.

IV. Oráculos contra as nações estrangeiras: 46,1-51,64.

V. Apêndice: 52,1-34.

Devido à forma como a obra está organizada e à falta de ordem cronológica, nem sempre é fácil seguir a mensagem do profeta no seu desenvolvimento. Por vezes, sucede também que as versões actuais são apresentadas a partir do texto grego, conhecido por tradução dos Setenta, que não corresponde integralmente ao original hebraico, pois, além de ser mais breve (cerca de um oitavo), os textos encontram-se numa ordem diferente.

 
TEOLOGIA

A mensagem que Jeremias nos oferece é profundamente espiritual e teológica. Dela, apraz-nos destacar a doutrina da nova aliança (31,31-34), bem como a sua permanente confiança no Senhor que o ajuda a superar todas as adversidades com que se vê confrontado. Jeremias, dotado de grande sensibilidade, é um testemunho vivo de homem plenamente apaixonado pela causa de Deus e pela identidade espiritual e religiosa do seu povo. É neste sentido que devem ser lidos os seus oráculos sobre a infidelidade do povo e o castigo de Deus. Aliás, ele viveu esta paixão até ao fim e por causa dela terá dado a vida.

Além da veemência com que proclamava os seus oráculos, o profeta recorria também, frequentemente, a gestos simbólicos com um forte acento nacional, capazes de impressionar os seus ouvintes e de os interpelar à conversão.

Apesar das constantes proclamações de que a pátria seria destruída, Jeremias não foi um profeta ao serviço da Babilónia. Soube pôr o projecto de Deus acima dos interesses políticos e exortar os homens do seu tempo à fidelidade, embora se constate que os seus apelos foram em vão. Por isso Jerusalém viria a ser destruída em 587 e o povo de Israel partiria para o exílio na Babilónia, a fim de expiar o seu pecado.

Lamentações


Trata-se de um pequeno conjunto de cinco poemas, em estilo elegíaco, provavelmente escritos após a queda e destruição de Jeru¬salém por Nabucodonosor (587-586 a.C.). A tradição tem-no atribuído ao pro¬feta Jeremias. No entanto, essa autoria tem pouca consistência, uma vez que tal atribuição se fundamenta em 2 Cr 35,25 e esse texto diz respeito à morte do último grande rei de Judá, Josias, nada tendo propria¬mente a ver com o conteúdo deste escrito. Além disso, em 2,9 diz-se que «aos profetas são recusadas as visões», o que seria estranho na boca de Jeremias. A Bíblia Hebraica coloca ainda este livro entre os Escritos, depois do Cântico dos Cânticos, e não entre os Profetas. Deve tratar-se, pois, de um discípulo de Jeremias que guarda algumas afinidades de estilo com o seu mestre.

O título desta obra é a tradução do hebraico “qinôt”, que já se encontra no “Talmud” (Hag 5b fala do Livro das Lamentações: “Sefer Qinôt”) e em outros escritos rabínicos (por exemplo, o grande “Midrash Rabbá”, em “Lamen-tações Rabbá” IV,20); e também do grego “thrénoi”, que expressa o mesmo sentido.

Para além de outras particularidades, os quatro primeiros poemas são alfabéticos, iniciando-se cada estrofe com a respectiva letra da sequência do alfabeto hebraico. É um processo literário complexo; além da arte e mestria do autor, pretende também realçar o simbolismo do texto e, provavelmente, o ritmo do seu próprio canto.

MENSAGEM

O au¬tor lamenta-se da si¬tua¬ção miserável em que o povo de Israel e as suas instituições se encontram; e fala da humilhação extre¬ma a que chegaram Israel e Jerusalém. Tudo is¬to, como con¬se¬quên¬cia do mau proceder do povo e da sua infi¬de¬lidade à Aliança.

A situação é inter¬pre¬tada à luz da fé co¬mo um castigo e como um tempo de purifi¬ca¬ção, dado ha¬ver uma es¬-perança úl¬tima de que Deus vol¬tará o seu olhar cle¬mente para o povo (fim da 5.ª La¬men¬tação).

Por tudo isso, tanto judeus como cristãos fa¬zem uso destes poe¬mas na liturgia, em mo¬mentos signi¬ficati¬vos da sua História: os judeus, nas festas de jejum, em que recor¬dam a destruição de Jerusalém, no ano 70, pelos romanos; os cristãos, na liturgia da Semana Santa, ao recordarem os sofri¬mentos da Paixão de Cristo.

Baruc


Este escrito recebe o nome de Livro de Baruc a partir de 1,1-3, onde o seu autor se apresenta e nos descreve um pouco da his¬tória dos dester¬rados da Babilónia, após a tomada de Jerusalém por Nabu¬codonosor.

AUTOR

Quem é Baruc? No livro de Jeremias, Baruc é apresentado como “escriba” ou “secret¬ário” do profeta (Jr 36,4-32) e estreitamente ligado a al¬gu¬mas etapas da sua vida (Jr 32,12-16), chegando, mesmo, a refugiar-se com ele no Egipto (Jr 43,1-7).

Pelo texto, vemos também que desempenhou uma tarefa importante junto dos exilados, fazendo-se aí porta-voz do profeta de Anatot.

Mas o nome dado ao autor deste escrito é certamente um pseudónimo, técnica muito comum no campo literário em todos os tempos, e também no mundo bíblico. Isto é tanto mais provável quanto este livro não remonta ao período do exílio da Babilónia, embora algumas das suas fontes e os episó¬dios narrados se situem nesse contexto.

LIVRO

Recolhendo estes elementos, um autor anónimo, que se esconde por trás do nome de Baruc, compôs esta obra a partir de diversas fontes e com géneros literários diferentes.

O autor denota influências dos profetas da época do Exílio, especial¬mente de Jeremias, Ezequiel e Segundo Isaías, quer nos temas abordados, quer na forma literária. Também é de salientar a linguagem de tipo sapien¬cial e mes¬mo apocalíptico, a que recorre com frequência.

Trata-se de um livro que não figura na Bíblia hebraica, fazendo parte da lista dos chamados livros Deuterocanónicos. O texto que chegou até nós é apenas conhecido na versão grega, sendo clara a intenção de o apresentar como um livro profético.

DIVISÃO E CONTEÚDO

Consta das partes seguintes:

Introdução histórica (1,1-14). Além de apresentar o livro e o seu autor, relata o efeito que a sua leitura produziu sobre o rei, os nobres e todo o povo.

I. Confissão dos pecados, em prosa (1,15-3,8): não é mais do que uma espécie de “cele¬bra¬ção penitencial” dos exilados da Babilónia.

II. Exortação sobre a sabedoria, em poesia (3,9-4,4): é composta por uma exortação de tipo sapien¬cial e um oráculo sobre a restauração de Jeru¬salém e o regresso do povo (4,5-5,9).

Carta de Jeremias (cap. 6,1-72): sob a forma de mensagem dirigida aos exi¬la¬dos da Babilónia, o profeta critica a idolatria, exortando-os a não segui¬rem os ídolos da cidade para onde tinham sido deportados. Em certas edições da Bíblia, a Carta de Jeremias aparece como livro autónomo. Aqui colocamo-lo no fim de Baruc, sempre no “Corpus” de Jeremias.

Ezequiel


Ezequiel (hebr. “Yehezq’el” = “Deus é forte”, ou “Deus dá força”) era filho do sacerdote Buzi. Ele próprio foi sacerdote em Jerusalém, o que se comprova pela linguagem de que se serve e pela atitude que tomou quanto ao culto. Deve ter nascido em 620 a.C., em Jerusalém, na época do rei Josias. A sua mulher faleceu subitamente antes da destruição da cidade de Jerusalém (Janeiro de 586). Em 597, por altura da primeira deportação, foi para a Babilónia com a família, tendo-se instalado em Tel- -Aviv. Ali se situa a sua visão do carro do trono de Deus com a sua glória, no quinto ano da deportação do rei Joaquim, ou seja, em 592. É então que sente a vocação para profeta, quando contava cerca de 30 anos de idade (1,1-28; 2,1-7). A sua actividade profética na Babilónia dura cerca de vinte anos (1,2; 29,17), sendo a última profecia do ano 570.

 
CONTEXTO E AUTOR

As condições em que viviam os exilados deviam ser muito difíceis. Muitos foram condenados a trabalhos forçados. A principal colónia foi a de Tel-Aviv, junto ao rio Eufrates, mais precisamente nas margens do Cabar (1,1.3; 3,15). À sua frente estavam os anciãos (8,1; 14,1; 20,1). Mas o sofrimento interior dos exilados era muito grande por se encontrarem longe da pátria, de Jerusalém e do Templo. O Salmo 137 é uma autêntica balada dos exilados, traduzindo a amargura e a saudade do povo, a quem os carcereiros pediam “cânticos de alegria” (Sl 137,3).

A tentação da dúvida e do desespero ameaçava profundamente a sua alma. Muitos terão pensado: o nosso Deus abandonou o seu povo; os deuses pagãos levaram a melhor sobre o Deus de Israel! De facto, os Babilónios cantavam vitória: o deus Marduk triunfara. Ali, em terras da Mesopotâmia, o culto das divindades pagãs devia exercer sobre os Judeus uma forte impressão. Além disso, a feitiçaria e a adivinhação eram uma tentação constante para eles (13,17-23; Jr 29,8).

Outra ideia que o profeta refuta é esta: a sorte dos que ficaram em Jerusalém não é melhor do que a dos exilados em 597. Os primeiros julgavam-se «a carne na marmita» (11,3) e julgavam ter direito aos haveres dos seus compatriotas desterrados (11,15; 33,24). O profeta promete que estes hão-de regressar à pátria, onde recomeçarão uma vida nova (11,17-20).

Ezequiel mostra um interesse muito particular por tudo o que diz respeito ao sacerdócio, pois ele mesmo era sacerdote (1,3). O templo constitui o objecto das suas preocupações constantes; o primeiro fora profanado pelos ritos impuros (cap. 38) e, por isso, a glória de Deus o deixou; o segundo é descrito com muitos pormenores nos últimos capítulos. Deus voltará a habitar nele e a sua glória o cobrirá. Refere-se ao papel dos sacerdotes, às festas, ao calendário religioso (cap. 44-46).

A sua mentalidade sacerdotal revela-se ainda na insistência com que fala da Lei, das infracções que Israel cometeu, ao longo da História (20) e das impurezas legais (4,14; 44,7); na preocupação em distinguir entre o sagrado e o profano (45,1-6; 48,9-10); no cuidado em regular os casos de direito e de moral; no tom casuístico dos seus ensinamentos (18); na semelhança inegável que há entre as expressões mais típicas da sua mensagem e a linguagem do Código de Santidade (Lv 17-26). A sua obra enquadra-se na corrente sacerdotal, como a de Jeremias se enquadra na “deuteronomista.”

Porque foi constituído «guarda da casa de Israel» (3,17; 33,7), o profeta sente-se responsável pela salvação de cada um dos seus compatriotas (3,16-21; 33,1-2; 20). A ele se dirigem os anciãos, desejosos de obter uma resposta para os seus problemas (8,1; 14,1; 20,1). Insurge-se com veemência contra os falsos profetas e profetisas (13,10.18-19), e contra aqueles que fazem correr ditos enganadores e provocam a confusão entre o povo (8,12; 9,9; 11,15; 12; 22; 18,2.25.29; 33,17.20.24).

Uma das questões que mais tem preocupado os intérpretes do livro de Ezequiel é o lugar onde o profeta desenvolveu a sua actividade: teria sido só na Babilónia ou só em Jerusalém, ou na Babilónia e em Jerusalém? A hipótese tradicional diz que foi só na Babilónia; e ainda hoje parece a mais viável. Longe da pátria, nas margens do rio Cabar, após a deportação de 597, recebe a vocação profética, anuncia a ruína de Jerusalém e do seu templo e profetiza a futura restauração de Israel. É daí que se dirige aos habitantes de Jerusalém, insistindo com frequência na catástrofe iminente da cidade santa. O seu pensamento está constantemente em Jerusalém; numa das visões, é mesmo conduzido em espírito até lá, onde contempla o culto idolátrico praticado no santuário e assiste ao incêndio da cidade (ver 8-11). Certas passagens, como 11,24-25 mostram bem que ele se encontra no Exílio.

 
LIVRO

O livro de Ezequiel não foi escrito de uma só vez. Certas passagens, como os duplicados, quebram a sua unidade: o carro de Deus é referido duas vezes, no cap. 1 e 10; a missão do profeta como «guarda do povo» é apresentada em 3,17-21 e em 33,1-9; alguns pormenores sobre o pecado e o castigo encontram-se em 18,21-32 e em 33,10-20; a restauração do povo aparece em 11,16-21 e em 36,16-28. É, pois, de admitir a existência de um redactor posterior, que reviu a obra e lhe deu o último retoque. Mas não é fácil distinguir, sempre, o que pertence ao autor profeta e o que pertence a este redactor.

Também se notam alguns aditamentos: por ex., 2,1-3,9 foi introduzido no meio da visão do rio Cabar; 11,1-21 interrompe o nexo entre 10,22 e 11,12.

Ezequiel manifesta mais do que uma vez que o autor foi um homem de acção: a dirigir-se frequentemente aos seus ouvintes (8,1; 14,1.2; 20,1.2), a dialogar com as pessoas (12,9; 24,19-20; 33,10.17-20), a realizar acções simbólicas diante delas (4,1-5,4; 12,1-14; etc.).

CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

No livro encontramos várias visões, acções simbólicas, parábolas e alegorias. É certo que os outros profetas também as empregam; mas, em Ezequiel, estes processos literários têm aspectos característicos muito especiais.

Assim, as visões são mais extensas e escritas com mais pormenores do que as dos seus colegas. Por exemplo, Isaías e Jeremias também tiveram visões, que lhes indicaram a vocação para o profetismo; mas, essas experiências, simples e discretas, não têm a grandiosidade das de Ezequiel. Numa visão um tanto complexa e misteriosa, que teve do carro de Deus (1-3), o profeta contemplou a glória do Senhor. Contudo, evita falar dos elementos divinos de maneira humana; diz sempre «eram algo como», «assemelhavam-se a», etc.

Outras visões grandiosas foram a dos ossos ressequidos (37), que traduz bem o seu talento poético, e a das faltas de Jerusalém (8-11). Nos capítulos finais (40-48) apresenta a visão do novo Reino de Deus; descreve o templo futuro, fala da nova lei e do culto, como verdadeiro legislador, e divide a Palestina entre as tribos de Israel, à maneira de autêntico senhor.

É costume dizer-se que Isaías é o profeta da razão e do raciocínio, que Jeremias e Oseias são os profetas da sensibilidade, e Ezequiel é o profeta das visões, da imaginação e do simbolismo. Na alegoria da leoa e dos leõezinhos (19,1-9), na da videira estéril (15) e nos quadros simbólicos, que descrevem a história de Israel (16 e 23), nota-se bem a sua prodigiosa imaginação.

As acções simbólicas são também frequentes em Ezequiel. Por meio delas desperta a atenção dos ouvintes e ele mesmo dá a interpretação, sempre que lhe pedem (12,9; 21,12; 24,19; 37,18). O cerco de Jerusalém (4), o aniquilamento do povo até se tornar um pequeno resto (5,1-4), a ida para o cativeiro (12,1-7), as dificuldades do cerco (12,17-20), o terror causado pelo anúncio da ruína da cidade (21-22), a hesitação do rei da Babilónia quanto à escolha do caminho a tomar (21,23-28), a impossibilidade de se lamentarem pela queda de Jerusalém (24,15-24) e a reunificação dos reinos (37,15-22), são os acontecimentos anunciados nessas acções simbólicas.

As parábolas e alegorias são também frequentes neste livro. Algumas delas possuem uma rara beleza poética e sobressaem pela sua extensão e riqueza de pormenores. Assim, a parábola de Jerusalém comparada a uma mulher adúltera (16); a das duas irmãs infiéis e prostitutas, acerca da Samaria e de Judá (23); a da videira estéril, sobre Judá (15); a da águia, acerca de Nabucodonosor (17,3-7); a da leoa e dos leõezinhos, sobre Judá (19,1-9); a da videira plantada por Deus, sobre Judá (17,1-10; 19,10-14); a da floresta incendiada, sobre Jerusalém (21,1-5); a do navio que naufraga, acerca de Tiro (27); a do crocodilo, sobre o Egipto e o faraó (29,1-6; 32,1-8); a do cedro que é arrancado, sobre o faraó (31). A extraordinária veia poética de Ezequiel e a sua prodigiosa imaginação estão bem patentes em todas estas parábolas.

ESTRUTURA E CONTEÚDO

A estrutura do livro é a seguinte:

I. Vocação para o profetismo: 1,1-3,27;

II. Oráculos de ameaça contra Judá e Jerusalém: 4,1-24,27;

III. Oráculos contra as nações: 25,1-32,32;

IV. Oráculos de salvação para Israel: 33,1-39,29;

V. Novo reino, novo templo e novo culto: 40,1-48,35.

TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ

Nos primeiros capítulos da obra encontramos os mesmos temas que se nos deparam em Jeremias: o povo de Judá gravemente culpado pelas faltas que cometeu; a justiça de Deus que vai castigar Israel; o cerco de Jerusalém; a tomada da cidade com a destruição do templo; a deportação para o cativeiro; etc. Mas em tudo isto podemos apontar alguns pormenores, próprios de Ezequiel. Vejamos alguns:

A história de Israel é considerada como uma apostasia contínua do povo, pois Israel deixa-se corromper desde o início. Já na sua infância se entregou à idolatria no Egipto e, depois, no deserto e em Canaã (16). Jeremias e Oseias ainda se tinham referido a alguns momentos de fidelidade de Israel (Jr 2,2; Os 2,16-17; 11,1), mas Ezequiel não apresenta um único. Quer assim exprimir, da maneira mais evidente, que o povo é corrupção total, desde o começo da sua existência.

A observância estrita da lei levítica de pureza é um tema predilecto no livro de Ezequiel. Como sacerdote que era, refere-se frequentes vezes à distinção entre o puro e o impuro (22,26; 44,23). Deve ter tido uma educação muito rigorosa, nesse domínio: treme perante a exigência de comer algo que seja impuro (4,14). Alude muitas vezes ao povo que se mancha com os seus pecados (14,11; 20,30; 37,23), em particular com os pecados de idolatria (20,7.8.31; 22,3.4; 23,7.30; 37,23) e com os sacrifícios de crianças (20,26.31); o templo é profanado com os cultos idolátricos (5,11; 7,22.24; 24,21) e o país, com as faltas do povo (36,17) e com os cadáveres dos mortos (39,12.14.16). A profanação do sábado merece-lhe, também, alguns reparos especiais (20,13.16.21.24; 22,8; 23,38). A ideia dominante é a de que o povo e a terra devem ser santos, como Deus é santo.

Além desses pecados, insurge-se também contra certos males de ordem moral e social, como os outros profetas: o desprezo e abandono dos pais (22,7); a opressão das viúvas e dos órfãos (22,7.25); o desprezo dos pobres (18,7.16); a opressão dos estrangeiros (22,7); a usura, a extorsão e a corrupção (18,7-8; 22,12); a luxúria e o adultério (18,6; 22,10-11); o assassínio e o homicídio (18,10; 22,2-4.6-9.12.27; 33,25; 36,18).

Um tema considerado inovador na teologia de Ezequiel é o da responsabilidade individual de cada um, que contrasta com a ideia tradicional da responsabilidade colectiva. É dele que, depois, vai derivar, no Judaísmo posterior, a crença na retribuição após a morte. Nos cap. 8-11 e 18 elabora os princípios morais da responsabilidade religiosa individual: cada pessoa é responsável pelas acções que pratica.

A presença de Deus no meio do seu povo, mesmo entre os exilados, é outro ponto em que insiste amiúde. Deus não abandona o seu povo. A visão do carro de Deus (1-3) mostra que Ele não está ligado à Palestina, mas acompanha o seu povo por toda a parte. Assim, combate uma ideia errada, que estava muito difundida.

A esperança na restauração futura de Israel é inculcada com a visão da ressurreição dos ossos ressequidos (37): Deus faz reviver os ossos, como também há-de fazer voltar Israel para a sua pátria (ver pág. 1420). Os capítulos 34-39 contêm vários oráculos sobre a salvação futura de Israel.

O messianismo não é em Ezequiel uma ideia frequente, como em Isaías. Contudo, aparecem elementos relativos à esperança messiânica, aqui e além: o pequeno «resto» donde sairá a salvação (5,3; 6,8-10; 9,8-9), a salvação no futuro (16,59-63; 17,22-24; etc.). Não se trata de um messianismo real e glorioso, como em Isaías. O futuro David será o pastor do seu povo (34,23-31) e o bom pastor (34). No NT encontramos estas ideias na boca do próprio Cristo (Jo 10,7-18).

O Judaísmo posterior e o NT foram muito influenciados pela Apocalíptica de Ezequiel. Neste capítulo, Ezequiel é um precursor. A profecia sobre Gog (38-39) fala-nos dos últimos tempos e da vitória final de Deus sobre todos os inimigos; Daniel, o próprio Jesus Cristo e São João, no seu Apocalipse, irão desenvolver este pensamento. Neste aspecto, Ezequiel aproxima-se de Isaías. Uma última ideia teológica merece referência: é a que se relaciona com o futuro templo e distribuição do país pelo santuário, pelo rei e pelas doze tribos. Expressa um ideal político e religioso que seria bastante desenvolvido, e que, apesar de não ter sido propriamente posto em prática, ainda explica certas peculiaridades do Judaísmo restaurado.

Daniel


O nome de Daniel, que em hebraico quer dizer “o meu juiz é Deus”, aparece no livro de Esdras 8,2 e em Neemias 10,7 como sendo um dos exilados que regressaram da Babilónia para a Palestina. E isso pode significar que era utilizado como nome de pessoa entre os he¬breus, na época pós-exílica. No entanto, como nome de pessoa, Daniel é muito antigo no Médio Oriente e parece ter conhecido grande atractivo fora da sociedade hebraica. Por isso, o profeta Ezequiel fala de um certo Daniel, muito afa¬mado pela sua piedade e sabedoria (14,14.20).

Sobre o outro Daniel, um sábio da antiguidade, que Ezequiel refere e que também é mencionado na epopeia de Aqhat (escrita antes do séc. XIII a.C. e descoberta em Ugarit), conhecemos apenas a figura de um rei que se apre-senta como um rei ideal, muito devoto e imerecidamente sofredor.

AUTOR E CONTEXTO

Nem o Daniel regressado do Exílio nem o Daniel rei, da literatura de Canaã, podem ser o autor deste livro. O nome de Daniel foi-lhe atribuído como símbolo; na verdade, parece ajustar-se bem a uma obra cujo conteúdo tinha muito a ver com a dura experiência judaica vivida no Exílio e se ligava profundamente à sabedoria representada pela antiga tradição de Israel e de toda a região de Canaã.

A situação histórica em que este livro apareceu coloca o seu autor no rei¬nado de Antíoco IV, Epifânio, rei helenista da dinastia dos Selêucidas, que governava a Palestina a partir da sua capital dinástica em Antioquia. Foi este rei que tentou a morte da religião judaica e a helenização da Palestina.

GÉNERO LITERÁRIO

Nos capítulos 1 a 6, o autor serviu-se de histórias antigas que pertenciam a um género tradicional de literatura didáctica e educativa, chamado “hagadá”, então muito em voga. Daniel já era uma fi¬gura exemplar nessas histórias, que tinham o objectivo de inculcar espe¬rança e fé nos judeus perseguidos por Antíoco IV e assedia¬dos por outros perigos. Assim como Deus protegera Daniel e os seus compa¬nheiros de todos os perigos e ameaças, assim faria também com os outros judeus fiéis à lei.

O autor não tem em vista descrever factos históricos, mas apresentar histó¬rias moralizadoras e edificantes, que poderiam ter um fundo ou núcleo real histórico, mas de segunda importância. Os dados internos do livro, sob o ponto de vista linguístico, histórico e teológico, obrigam-nos a datar a sua versão final por altura da morte do rei Antíoco IV, em 165 ou 164 a.C..

Por seu lado, os capítulos 7 a 12 pertencem ao género apocalíptico, tam¬bém frequente naquele tempo, que apreciava a comunicação de revelações. “Apo¬calipse” quer dizer, precisamente, “revelação”. Esta literatura, por con¬di¬ções sociais e razões de mentalidade, apreciava a pseudepigrafia. Foi um género de literatura dos mais comuns no ambiente judaico da Palestina entre o séc. II a.C. e o séc. III d.C., tempo das origens do cristianismo e do judaísmo rabínico.

A literatura apocalíptica era diferente da literatura bíblica tradi¬cional, mas também continuou alguns dos seus géneros e temas mais importantes. Teve início sobretudo no interior da literatura profética do tempo do Exílio e prolongou, em grande parte, o horizonte representado pelos profetas. Por outro lado, reatou profundos laços com a antiga litera¬tura sapiencial e reva¬lorizou a utilização teológica das antigas mitologias de Canaã, que sempre constituíram, ao longo da Bíblia, um manancial para a criação teológica.O vigor fantástico do imaginário apocalíptico deve-se também ao facto de esta literatura procurar a interpretação profunda das antigas mitologias.

 
TEXTO

A complexidade e a riqueza históricas de Daniel notam-se tam¬bém no facto de o texto de que actualmente dispomos nos ter sido trans¬mitido em três línguas diferentes: os capítulos 1,1 a 2,41 e 8 a 12 encontram-se em hebraico; a longa secção didáctica de 2,4b a 7,28 está em aramaico; e em grego, o hino de 3,24-90 e as histórias educativas dos capítulos 13 e 14.

Os dois últimos capítulos encontravam-se, em grego, separados do livro de Daniel; foi a tradução latina da Vulgata que os juntou. Estas partes não foram reconhecidas como texto bíblico pelo judaísmo rabínico e palestinense do final do séc. I d.C.; mas o judaísmo alexandrino e o cristianismo já as consideravam como igualmente bíblicas e, por conseguinte, canónicas.

As edições da Bíblia liga¬das à Reforma costumam seguir a lista oficial do judaísmo da Pales¬tina; as edições católicas e ortodoxas seguem a Bíblia do cristianismo primitivo, que foi sobretudo a Bíblia em grego usada pelo judaísmo helenista. Por isso, estas secções de Daniel em grego chamam-se deuterocanónicas. Nesta edição, as partes em grego estão em itálico, para melhor serem identificadas pelos leitores.

 
DIVISÃO E CONTEÚDO

Daniel tem quatro partes bem distintas:

I. “História de Daniel: 1,1-6,29;

II. Apocalipse de Daniel: 7,1-12,13;

III. História de Susana: 13,1-64;

IV. Daniel e os sacerdotes de Bel: 14,1-43.

Na I parte – História de Daniel (1,1-6,29) – oferece-se à espiri¬tua¬li¬dade judaica uma série de modelos de perseverança, em con¬fronto com nor¬mas de vida moral e religiosa do am¬biente, por vezes, agressivo.

Na II parte (7,1-12,13) exprime-se uma espiritualidade de espe¬rança face às mais difíceis ameaças. As perspectivas de escatologia indi¬vidual dão um passo significativo neste livro com a ideia da ressur¬reição dos mortos (12), aspecto em que a antropologia do AT era menos explícita. A III e IV partes são também independentes uma da outra.

 
TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ

O pensamento religioso de Daniel representa um dos mais vincados elos de ligação entre o Antigo e o Novo Testamento e mostra que entre ambos existe uma profunda continuidade de ideias. Com o seu texto bem inserido no contexto do pensamento apocalíptico, este livro exprime uma profunda consciência de que Deus preside e governa a História dos homens e dos povos, como garantia contra as injustiças e o mal. Deus aparece sobre¬tudo como o supremo legislador, de quem depen¬dem os passos, as etapas, os percursos e a segurança da experiência humana.

Mas é no campo das concepções messiânicas (7) que o livro de Daniel atinge um dos pontos mais representativos, com a figura de sabor trans¬cen¬dente e humilde que se apresenta como «um filho de homem». No NT, esse título passará a ser uma importante componente da Cristologia e vai estar presente, tanto pela letra como pelo espírito, nas moda¬lidades de mes¬sia¬nismo que dentro dele se verificam. Quando o judaísmo do tempo de Jesus espe¬rava sobretudo um Messias-rei, triunfador dos romanos, Jesus apresentou-se como um Messias-Servo sofredor, na mais profunda huma¬nidade, e como Messias “Filho do Homem” vindo do Céu (7,13; Mt 26,64; Mc 14,61-64).

O Apocalipse de João torna-se quase o espelho neotestamentário do livro de Daniel, na sua visão da História e da Teologia. É através da com¬para¬ção entre ambos que se pode apreciar a continuidade de ideias que existe entre o Antigo e o Novo Testamento.

Oseias

Não se sabe quando e onde nasceu Oseias. O livro diz-nos o nome do seu pai (Beeri) e da sua esposa (Gomer). Sobre este matrimónio (narrado nos cap. 1-3) não possuímos dados seguros. Alguns pensam que se trata de pura ficção literária; outros admitem um matrimónio real, mas discutem se a mulher já era prostituta antes do casamento ou se se prostituiu depois. O certo é que o profeta se serve desta experiência, real ou simbólica, para descrever as relações de Deus (marido) com o seu povo infiel (esposa).

Oseias era, com certeza, do reino do Norte, onde exerceu a sua actividade, provavelmente na Samaria, Betel e Guilgal. Conhece bem a política do Reino de Israel e está informado acerca das tradições históricas e religiosas ligadas ao Norte; todas as cidades que menciona são do Norte e nunca se refere a Jerusalém. Devia ser um homem culto, a avaliar pela variedade e riqueza de imagens que utiliza.

ÉPOCA

Oseias deve ter começado a sua actividade logo a seguir a Amós, nos últimos anos do reinado de Jeroboão II (752-753 a.C.). Ora, a seguir a este rei, o Reino do Norte entrou num período de decadência e instabilidade política: nos trinta anos seguintes haverá seis reis, quatro dos quais ocuparam o trono pela força.

O perigo mais grave, porém, vinha da Assíria, um poderoso império que estendia as suas fronteiras, aniquilando os outros reinos e deportando as suas populações. Face a este poderio só havia duas soluções: submeter-se, pagando pesados tributos para não sofrer as consequências da derrota; ou procurar manter a independência, organizando a defesa em coligação com outros reinos, normalmente com o Egipto, que ainda mantinha certo prestígio mas que, na prática, se revelava ineficaz.

Parece ter sido neste contexto de alianças contra a Assíria que Pecá, rei de Israel, em união com Damasco, declarou guerra a Judá. O rei de Judá pediu o auxílio da Assíria, que derrotou Damasco e destronou o rei de Israel. Esta guerra, chamada siro-efraimita (734-732 a.C.), foi uma catástrofe para Israel. O reino ainda se manteve, numa situação extremamente debilitada, sob o reinado de Oseias (último rei de Israel e homónimo do profeta); mas desapareceu em 722 a.C., quando Salmanasar V, rei da Assíria, conquistou a Samaria, depois de o rei Oseias se ter negado a pagar tributo.

A par da difícil situação política interna e externa, é necessário ter em conta a situação religiosa para compreender as intervenções deste profeta. As alianças com outros povos tinham sempre implicações religiosas: a religião desses povos entrava em Israel. Além disso, neste período, a religião de Israel parece ter sofrido muitas influências cananeias, pela atracção que os cultos de Baal (divindade cananeia) exerciam nos sacerdotes e no povo. Era a Baal que se atribuía a fertilidade do solo, as chuvas e as colheitas. Quando a terra produzia, agradecia-se a Baal praticando o seu culto; quando havia carestia, realizavam-se ritos para implorar de Baal a fecundidade do solo.

Oseias é implacável na crítica a esta manipulação religiosa por parte dos sacerdotes: o Deus de Israel não admite concorrência de qualquer género, e não é Deus apenas para algumas ocasiões; Ele é o Deus da História, que acompanhou o seu povo, com quem fez uma aliança; é preciso voltar a essas experiências fundadoras do povo e eliminar de vez todos os ídolos. Oseias exprime tudo isto com a riqueza das suas imagens.

Não sabemos até quando o profeta exerceu a sua actividade. Há quem date os seus últimos oráculos por volta de 725 a.C. e pense que foi para Judá alguns anos antes ou a seguir à queda da Samaria. Se não há certezas acerca disto, o certo é que a sua pregação foi conhecida no Sul e ali se terá realizado a redacção final do livro.

 
DIVISÃO E CONTEÚDO

O livro de Oseias apresenta algumas dificuldades de compreensão, ou porque o texto hebraico está mal conservado, ou porque se contrapõem oráculos de condenação e de salvação sem uma evidente relação entre si. No seu conjunto, o livro pode dividir-se em duas partes distintas:

I. Simbolismo do matrimónio e da família (1,2-3,5); contém um relato biográfico (1,2-9), um outro autobiográfico (3,1-5), alguns oráculos de salvação (2,1-3.18-25) e o poema da relação entre o esposo e a esposa (2,4-17).

II. Crimes e castigos de Israel (4,1-14,9); costuma ainda subdividir-se em duas secções: cap. 4-11, uma série de oráculos centrados especialmente na denúncia do culto e da política; e cap. 12-14, algumas reflexões históricas sobre o pecado de Israel, que terminam com um oráculo de salvação (14,2-9).

Epílogo sapiencial (14,10).

 
TEOLOGIA

A mensagem de Oseias coincide, em grande parte, com a de Amós: denúncia das injustiças e da corrupção religiosa. Oseias insiste, particularmente, na corrupção do culto e da política: no culto, condena toda a idolatria, a adoração de Baal, os cultos de fertilidade e a falsidade do culto ao Deus de Israel, que serve apenas para encobrir as injustiças de todo o tipo; na política, condena as alianças com a Assíria ou com o Egipto, porque levam a esquecer o poder salvador de Deus.

Oseias desmistifica a História, adoptando uma posição crítica quanto ao passado de Israel. É a partir desta visão da História que desenvolve a teologia do amor nupcial de Deus pelo seu povo: Deus ama com um amor fiel; ao contrário, o povo responde com infidelidades.

Só o castigo, a ruína e a invasão poderiam fazer ver ao povo o seu pecado. Mas, ainda assim, depois da dureza de todas as críticas e do anúncio da desgraça, o castigo não é a última palavra deste profeta. Mesmo que o povo não esteja totalmente arrependido, Deus acolhe-o e ensina-o como esposo e como pai, e o seu amor gratuito acaba por triunfar.

Joel

De Joel, filho de Petuel, nada se sabe para além do que pode deduzir-se da sua obra. O profeta exerceu o seu ministério em Jerusalém e foi um homem profundamente conhecedor do mundo rural, embora se suponha que não fosse de origem camponesa. De facto, a sua qualidade poética, o conhecimento profundo dos profetas anteriores e a maneira como trata a própria língua, situam-no num ambiente cultural muito mais elaborado.

DATA E CONTEÚDO

São vários os problemas que este livro nos coloca, desde a interpretação até à sua unidade, data e estrutura.

Modernamente os especialistas entendem que, a partir das referências do livro à situação interna de Jerusalém e à situação internacional, e tendo em conta o estilo literário do profeta e a própria língua, é possível estabelecer uma data. As investigações modernas apontam para uma data imediatamente a seguir ao exílio da Babilónia (séc. V-IV a.C.), altura em que não havia rei e a Judeia era uma província do Império Persa.

Coerente, no seu conjunto, apesar de algumas pequenas interpolações (como, por exemplo, 4,4-8), o livro parece dividir-se em duas grandes partes:

I. 1,2-2,27: um desastre agrícola, constituído por uma praga de gafanhotos (1,2-12) e uma grande seca (1,13-20), fazem o profeta pensar em calamidades maiores. Em 2,1-11, a sua imaginação transforma os gafanhotos num exército que vem destruir a cidade. Esta catástrofe nacional é um convite à conversão (2,12-17), que proporciona a resposta de Deus (2,18-27).

II. 3,1-4,21: os acontecimentos anteriormente descritos são elevados à categoria religiosa de «Dia do Senhor». Joel, para além da efusão do espírito, joga com três temas: os sinais no céu e na terra (3,3-4; 4,15-16); a salvação de Judá (3,5; 4,16b), manifestada no plano político (4,17) e económico (4,18), e a condenação das nações estrangeiras (4,1-14).

TEOLOGIA

Joel apresenta-se como um profeta da esperança. Passaram os tempos difíceis do exílio na Babilónia. As grandes catástrofes que atingiram o povo já pertencem ao passado. O profeta espera a mudança definitiva anunciada por Jeremias e Ezequiel. Mas, passaram tantos anos e ainda não aconteceu a efusão do espírito de Deus anunciada por eles. O tempo da liberdade ainda não chegou. Os inimigos do povo não foram ainda castigados! Que dizer das promessas e da palavra do Senhor?

Precisamente a partir de uma calamidade histórica e prevendo desastre ainda maior, Joel reabre os seus ouvintes à esperança. As promessas não caíram no vazio; ele crê no seu cumprimento, e anuncia-o. Para isso, convida o povo a preparar-se pela penitência e pela oração. O Senhor derramará o seu espírito sobre toda a humanidade. As esperanças alimentadas durante os séculos anteriores, desde Moisés até aos profetas que se lhe seguiram, vão cumprir-se, muito para além do que se poderia imaginar, no dia do Pentecostes (Act 2).

Amós

Amós era natural de Técua, uma localidade do reino de Judá, a 8 km a sudeste de Belém. Em 1,1 diz-se que era pastor, e em 7,14 reafirma-se a sua profissão, acrescentando que também cultivava sicómoros. Aparentemente, o seu trabalho de pastor faz dele uma pessoa pobre e sem cultura. Mas, lendo o seu livro, damo-nos conta de que conhece bem a geografia e certos acontecimentos dos países vizinhos, a História sagrada do seu povo e toda a problemática social, política e religiosa de Israel.

Do ponto de vista económico, não deveria ser um simples assalariado; é muito provável que guardasse os rebanhos e cultivasse os terrenos que eram propriedade sua.

Não tinha qualquer relação com a profecia e com os grupos proféticos. O livro não narra directamente a sua vocação, mas faz-lhe referência em 7,14-15. Ali se pode ver que o Senhor o enviou a profetizar ao povo de Israel, isto é, ao Reino do Norte. Não sabemos quando isso aconteceu, mas foi em tempos do rei Jeroboão, provavelmente entre os anos 760-750 a.C..

Deve ter pregado em várias localidades do reino do Norte, até chocar com a oposição dos seus dirigentes em Betel (7,10-13). Isto, muito provavelmene, dificultou-lhe o exercício da acção profética.

ÉPOCA

Depois da divisão dos dois reinos, a seguir à morte de Salomão, o reino do Norte viveu períodos de grande instabilidade. Estava sujeito aos constantes ataques dos reinos arameus do Norte, a lutas internas e consequente perda de territórios e influência.

A situação alterou-se no início do séc. VIII: a Assíria começou a expandir-se, atacou Damasco, o que permitiu a Israel recuperar alguns territórios e reorganizar-se internamente.

Governa então em Israel Joás e, logo a seguir, Jeroboão II. Durante este reinado houve um certo progresso social e económico: a população aumentou, os palácios eram luxuosos, cresceram os recursos agrícolas e desenvolveu- -se a indústria. O livro de Amós dá-nos conta deste progresso.

A melhoria da situação económica vai ter, no entanto, o seu reverso da medalha: o pequeno proprietário vê-se sufocado pelos interesses dos mais poderosos, acentua-se a divisão entre ricos e pobres, a ambição dos ricos não conhece fronteiras, geram-se injustiças sociais gritantes e os pobres acabam por ficar à mercê dos que detêm o poder. Empréstimos com juros, hipotecas, serviço como escravo, falsificação dos pesos e das medidas no comércio, corrupção nos tribunais, luxo desmedido dos ricos... Todas estas situações são denunciadas por Amós.

Com a decomposição social, vem também a corrupção religiosa: santuários pagãos, falsidade do culto (tanto se adorava o Senhor como outras divindades; praticava-se o culto para encobrir as injustiças sociais), falsa segurança e complexo de superioridade por pertencer ao povo escolhido.

É nesta situação de prosperidade económica e política, de injustiças e desigualdades sociais, de paganismo e corrupção religiosa que actua o profeta Amós.

 
DIVISÃO E CONTEÚDO

Depois do título (1,1) e de um breve prólogo (1,2), o livro de Amós divide-se em quatro partes:

I. Oráculos contra sete nações vizinhas de Israel e contra Judá e Israel (1,3-2,16).

II. Oráculos contra Israel (3,1-6,14). Nesta parte encontram-se as principais críticas de Amós contra a corrupção social e religiosa e o anúncio do castigo (3,13-15; 5,1-3.16-20; 6,8-14).

III. Castigos divinos (7,1-9,10). São cinco visões, das quais as primeiras quatro começam com a mesma fórmula e a quinta é diferente. No meio das visões encontra-se a narração da expulsão de Amós do santuário de Betel (7,10-17) e outros oráculos (8,1-14; 9,7-10).

IV. Esperança messiânica como oráculo de salvação (9,11-15).

O livro é quase todo em poesia, exceptuando o primeiro versículo do cap. 1, todo o cap. 7 e os três primeiros versículos do cap. 8. É preciso lê-lo como um poema e ter alma de poeta para o interpretar. Esta receita aplica-se, aliás, a quase todos os textos proféticos e a muitos outros textos bíblicos.

 
TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ

O tema dominante do livro de Amós é o castigo. Nas duas primeiras visões pode ver-se que o profeta ainda intercede e pede perdão pelo povo; nas outras três verifica-se que já não há remédio e que a catástrofe é iminente.

Segundo Amós, o luxo e a ostentação da riqueza, a exploração dos pobres e dos oprimidos, a fraude e todo o tipo de injustiças sociais, o culto sem o necessário compromisso ético, o sincretismo religioso e as falsas seguranças apoiadas na eleição de Israel são contrárias ao plano de Deus na História. E, como Deus não tolera todos os abusos, a única forma de fazer o povo sentir estes males é o castigo por meio da invasão militar.

Dizer isto em tempos de Jeroboão II, numa época de prosperidade económica, pareceria obra de um louco. O certo é que, algumas décadas mais tarde (em 722), as tropas assírias conquistam a Samaria e o Reino de Israel desaparece do mapa.

Amós não se limita a anunciar o castigo; explica porque é que ele vai acontecer, e aponta a única saída possível: «Buscai o Senhor e vivereis.» (5,6); «Buscai o bem e não o mal.» (5,14) Lutar por uma sociedade mais justa é, para este profeta, o meio de escapar do castigo.

É notável a sua descrição do «Dia do Senhor», apresentado como um dia de trevas e de calamidade, mesmo para o povo eleito (8,8-14). Os evangelistas e, com eles, a Igreja Apostólica interpretam o martírio de Cristo, o Eleito de Deus, à luz destes textos de Amós (Mt 27,45-46; Mc 15,33-41; Lc 23,44-49; Jo 19,36-37).

Abdias


Do autor do livro nada se sabe, a não ser o seu nome: Abdias, que significa “Servo do Senhor”. É um dos chamados “Profetas Menores”. O menor de todos, se aten¬dermos à extensão do seu livro, se é que se lhe pode chamar livro, pois tem apenas 21 versículos. Mas a extensão nada conta, quando há algo a dizer em nome de Deus.

DATA E CONTEÚDO

Não é fácil determinar a data da sua composição. Parece, no entanto, que deve ter sido escrito a seguir a 586 a.C., data da destruição de Jerusalém. Esta referência histórica bastará para uma justa leitura do livro, admi¬tindo embora alguns acrescentos posteriores.

No que respeita ao seu conteúdo, temos:

v.1: o título.

v.2-14: exortação à luta contra Edom, contra quem é pronunciada uma profecia (v.2-9), por se ter regozijado com a destruição de Jerusalém e ter contribuído para agravar os seus sofrimentos (v.10-14).

v.15-21: fala-se do «Dia do Senhor», que trará consigo a ruína de todos os povos e o começo de melhores dias para Israel.

Jonas

Sabemos, por 2 Rs 14,25, da existên¬cia de um profeta chamado Jonas, «filho de Amitai», que terá exercido a sua missão no tempo de Jero¬boão II (séc. VIII a.C.). O nome e a filiação coincidem, de facto, com o protagonista deste livro. Mas não foi esse profeta quem escre¬veu, como poderemos verificar pela data em que ele deve ter sido escrito. Entre¬tanto, a sua leitura mostra-nos que o autor, além de ser hábil artista, possuía uma larga formação bíblica. São claras, na sua obra, influên¬¬cias de alguns Sal¬mos, de Jeremias, Ezequiel, Joel e outros.

 
LIVRO E DATA

Jonas é um caso único na literatura pro¬fé¬tica: nunca uti¬liza o substantivo “nabi” (profeta), nem o verbo “profetizar”, nem a fór¬mula do mensageiro; e toda a pregação do profeta se resume em 3,4: «Dentro de quarenta dias Nínive será destruída.»

Este livro faz parte do género literário chamado midráshico, que per¬mi¬tia tomar um dado bíblico como tema de desenvolvimento redaccional com uma intenção didáctica, sem pretender narrar acontecimentos histó¬ricos. A base histórica é muito reduzida: apenas o nome do profeta do tempo de Jero¬boão II, como já dissemos, e que, na altura, apoiou as ideias nacio¬na¬listas do rei, atitude à qual se opõe o livro. O segundo elemento de aparência histó¬rica é a cidade de Nínive. Mas não há qualquer testemunho que fale ou supo¬nha uma tal missão profética e a correspondente conversão sensa¬cional.

A data da composição não pode ser deduzida senão a partir das suas características literárias e da sua teologia. O estilo, o vocabulário e cer¬tos ara¬maísmos (1,5.6.7; 3,7; 4,11) apontam para um período posterior ao re¬gresso do Exílio (séc. V), como pensa a maioria dos críticos.

DIVISÃO E CONTEÚDO

Este livro divide-se em duas partes:

I. Jonas opõe-se à vontade de Deus e foge para Társis. É en¬golido pelo peixe e vomitado na praia (1,1-2,11).

II. Jonas prega em Nínive, que se converte (3,1-4,11).

 
TEOLOGIA

O autor reage contra o particularismo sócio-religioso muito aceite na época de Neemias e Esdras, mostrando os desígnios de salvação que Deus tem para com os pagãos, mesmo que sejam inimigos de Israel, ao enviar-lhes um pregador. Rompendo assim com esse particularismo, no livro toda a gente é simpática: os marinheiros pagãos no momento do nau¬frágio, o rei, os habitantes e até os animais de Nínive; todos, excepto o único israe¬lita que aparece em cena – o profeta.

Deus, por seu lado, compadece-se do seu profeta e de todos, porque a sua misericórdia é universal. Para conseguir tais intentos, o narrador serve-se de um profeta de que se conhecia pouco mais que o nome, fazendo uma com-posição cheia de hipérboles e de humor, fácil de fixar. De facto, a aventura de Jonas no ventre do «grande peixe» (2,1) ficou na imaginação popular e tocou a fantasia dos artistas de diversas épocas. Não esqueçamos, porém, que a mensagem fundamental deste livro é a do amor universal de Deus.

Miqueias

Miqueias era natural de Moréchet (1,1), provavelmente Moréchet-Gat, uma aldeia de Judá, 35 km a sudoeste de Jerusalém, numa região próxima da Filisteia. Era uma terra de camponeses, mas não isolada, uma vez que à sua volta se encontravam fortalezas importantes de Judá (Azeca, Marecha e Láquis). As incursões assírias e todos os problemas relacionados com militares e funcionários reais que acudiam àquela zona geravam instabilidade e abusos, de que as principais vítimas eram os pequenos proprietários de terras.

Nada sabemos do estatuto social de Miqueias. Era certamente alguém ligado à terra, e as suas críticas contra os nobres da época fazem supor que se tratava de um camponês pobre, de um trabalhador da terra ou de um pequeno proprietário. O seu nome significa: “Quem é como o Senhor?”

ÉPOCA

O título do livro situa a actividade do profeta nos reinados de Jotam, de Acaz e de Ezequias; quer dizer, entre 740 e 698 a.C., aproximadamente. As suas intervenções contra a injustiça social e a exploração a que são votados os camponeses enquadram-se perfeitamente nesta época. No entanto, é difícil precisar a sua acção nos tempos de Jotam e de Acaz. Certo é que 1,2-7 supõe a existência da Samaria e, portanto, o profeta actuou antes da sua queda em 722 a.C.. A tradição contida em Jr 26,18 afirma que Miqueias desenvolveu o seu ministério em tempos de Ezequias; por conseguinte, podemos situá-lo algum tempo antes da queda da Samaria (722-701 a.C.).

Miqueias actuou no reino do Sul na mesma altura de Isaías. Experimentou pessoalmente as várias incursões assírias deste período e os problemas de ordem militar, política e social. Dá-nos uma visão pessimista da sociedade: as maquinações dos latifundiários (2,1-5), a situação das viúvas e dos órfãos desamparados e sem património (2,8-10), a ambição desmedida dos dirigentes e consequente exploração do pobre (3,1-4), os juízes corruptos (3,9-11) e os profetas subornados (3,5.11), a desconfiança geral, mesmo no interior da própria família (7,5-6).

DIVISÃO E CONTEÚDO

O livro apresenta-se dividido em quatro partes, onde alternam ameaças e promessas. Esta organização do texto pode ser atribuída a redactores posteriores e a autenticidade de algumas secções é discutível. Muitos pensam que houve releituras dos oráculos de Miqueias no tempo do Exílio. Mas, tal como o texto se apresenta, desenvolve-se do seguinte modo:

I. Ameaças (1,2-3,12). Começa com um discurso motivado pelos pecados de Jacob e de Judá (1,2-7), que provocam a ruína da Samaria e de Judá; denunciam-se os ricos, os grandes proprietários e os opressores dos pobres, os falsos profetas, os chefes e os sacerdotes (cap. 2-3).

II. Promessas (4,1-5,14). Estes capítulos centram-se no tema da salvação.

III. Ameaças (6,1-7,7). O cap. 6 abre com um processo entre Deus e o seu povo, a que se seguem duros ataques contra a injustiça e a falsidade.

IV. Promessas (7,8-20). O livro termina com o reconhecimento das culpas por parte do povo (7,8-10), um oráculo de salvação (v.11-13), uma súplica (v.14-17) e a certeza do perdão (v.18-20).

 
TEOLOGIA

Miqueias usa uma linguagem viva e dinâmica, tornando-se um dos grandes defensores da justiça. Preocupa-o a situação daqueles que, espoliados dos seus bens, se convertem em presa fácil na mão dos poderosos. Estes são os grandes proprietários de terras, as autoridades civis e militares, os sacerdotes e os falsos profetas; são os que se baseiam no automatismo das promessas divinas, os que pensam estar seguros, invocando as grandes tradições de Israel. Do outro lado temos o povo, vítima dos desmandos dos poderosos: os que não têm terras nem casas, os órfãos e todos os oprimidos.

Deus não pode ficar impassível. Por isso, Miqueias anuncia o castigo a Jerusalém e à Samaria, principais focos das injustiças e arbitrariedades e da duplicidade de interpretações das tradições antigas.

Mas o profeta reconhece também a validade das promessas; por isso proclama a esperança num futuro de justiça para o resto de Jacob, pelo caminho da humildade e da conversão. Não se limita, pois, a denunciar e a anunciar o castigo, mas também promete a conversão e a salvação.

Naum

De Naum sabemos apenas que nasceu em Elcós (1,1), um lugar que não aparece citado em qualquer outro texto do AT. Alguns si¬tuam a localidade na Galileia; outros, em Judá. Partindo de 2,1, parece que a sua pregação se exerceu em Judá e, mais provavelmente, em Jerusalém. Logo, Elcós deveria situar-se em território de Judá.
ÉPOCA

O livro de Naum centra-se num facto histórico bem preciso: a queda de Nínive, capital do império assírio, em 612 a.C.. A questão é saber se Naum escreveu antes deste acontecimento ou se celebrou o acontecimento, em forma de liturgia, depois de ele ter ocorrido.

Tudo parece indicar que o livro de Naum tenha sido escrito antes da destruição de Nínive. No texto faz-se referência ao que aconteceu a Tebas (Nó-Amon), no Egipto, apontando-o como exemplo do que sucederá a Nínive (3,8). Ora Tebas foi destruída em 668 ou 663 a.C. (provavelmente, até terá sido destruída duas vezes) e reconstruída por volta de 654 a.C.. No contexto da mensagem de Naum não faria muito sentido falar da destruição de Tebas depois de ela já estar reconstruída.

Além disso, o texto também faz referência ao jugo assírio que pesa sobre Judá; e a opressão assíria fez-se sentir em meados do séc. VII a.C., durante o reinado de Manassés (698-643). Sendo assim, o livro terá sido escrito no período entre a destruição de Tebas e a sua reconstrução (668 e 654 a.C.).

 
DIVISÃO E CONTEÚDO

O título do livro orienta o leitor para Nínive (1,1). Segue-se um salmo (1,2-8) que canta o poder de Deus na Natureza e na História, protegendo os que confiam nele e castigando os inimigos.

I. Em 1,9-2,3 há pequenos oráculos dirigidos alternadamente a Judá (1,9-10.12-13; 2,1.3) e a Nínive (1,11.14; 2,2): para Judá fala-se de consola¬ção e alegria; a Nínive e ao seu rei anuncia-se o castigo.

II. 2,4-3,19 é dedicado à destruição de Nínive. Em 3,8-11 o profeta inclui o exemplo de Tebas, como dissemos, para mostrar que todas as defe¬sas da cidade de Nínive são inúteis. O livro termina num cântico fúnebre, apresentando o desastre como consumado (3,18-19).

TEOLOGIA

Como profeta, Naum resulta estranho: não tem em conta os peca¬dos do seu povo, é nacionalista e deleita-se, com uma alegria quase cruel, a anunciar a destruição da cidade de Nínive. Neste ponto, a sua mensagem é o contrário da de Jonas.

Mas seria injusto considerar Naum um vingativo. O problema que ele aborda é o da justiça de Deus na História, uma questão que preocupava os judeus e os homens de todos os tempos: que acontece quando o opressor não se converte? Poderá Deus tolerar o poder de um império que mata sem compaixão, que semeia violências e sangue por todo o lado? Naum dá a resposta: Não! A fidelidade de Deus e a sua justiça não o podem permitir. Por isso, Nínive deve ser destruída, tem que se travar a difusão dos seus erros e pôr fim à arrogância que se repete na História.

 
Habacuc

Nada sabemos da pessoa deste profeta: nem o seu lugar de nasci¬mento, nem a sua famí¬lia, nem sequer o período em que viveu. Esta falta de dados não impede ver no livro de Habacuc alguém profundamente enraizado na História do seu tempo e em toda a problemática da acção de Deus na História.

 
ÉPOCA

A menção dos caldeus, «aquele povo feroz e impetuoso / que se es¬palha pela superfície da terra / para se apoderar de habitações que não são suas» (1,6), leva a colocar a profecia de Habacuc na época em que os Babi¬lónios começaram a dominar todas as regiões do Próximo Oriente Antigo (final do séc. VII a.C.) e impuseram o seu jugo sobre Judá. Assim, Habacuc situar-se-ia nos tempos do rei Joaquim (609-597 a.C.) ou no período a seguir a 597, data da primeira deportação para a Babilónia.

Muitos elementos cultuais presentes no livro (o mais claro de todos é o cap. 3) fazem com que alguns comentadores o relacionem com as liturgias penitenciais de tempos posteriores. Mas é preciso discernir sempre se os orá¬culos proféticos foram retocados para uso litúrgico, ou se os elementos da litur¬gia é que foram reelaborados em forma profética. Como essa distinção não é fácil, mantemos no início do domínio babi¬ló¬nico a composição pro¬vá-vel do livro.

DIVISÃO E CONTEÚDO

O livro apresenta-se estruturado em três partes:

I. Diálogo entre o profeta e Deus (1,2-2,4), formado por duas queixas do profeta (1,2-4 e 1,12-17) e duas respostas de Deus (1,5-11 e 2,1-4). A pri¬meira queixa coloca o problema da justiça: porque triunfam os ímpios? A pri¬meira resposta divina não satisfaz o profeta, pois os babilónios acabam por se exceder e são mais cruéis do que os outros. Por isso, o profeta queixa-se de novo (1,12-17), não compreendendo como Deus olha em silêncio para os traidores. A segunda resposta aponta para o cumprimento da pala¬vra divina: o profeta recebe a palavra e aguarda o seu cum¬primento.

II. Maldições contra o opressor (2,5-20): inclui cinco im¬precações, con¬¬de¬nando todos os crimes cometidos pela tirania dos pode¬rosos.

III. Um salmo (3,1-19) que celebra o triunfo defi¬nitivo de Deus na Natu¬reza e na História.

 
TEOLOGIA

O grande tema do livro de Habacuc é o da justiça divina. Deus é o Senhor da História, e esta soberania de Deus só se compreende na fé (2,4). A sucessão de crimes e violências que caracterizam os impérios leva o profeta a interrogar-se diante de Deus, esperando o castigo dos opressores.

Mas o castigo violento gera violência e o problema fica sem solução. O pro¬feta supera esta questão, convencido de que Deus é a única fonte de fortaleza e todo o império opressor acabará por ser castigado, mesmo que não se com-preendam as circunstâncias históricas.

Sofonias

A genealogia de 1,1 é extraordinariamente completa, comparada com a dos outros profetas: por ela remonta-se até Ezequias, que poderia ser o rei de Judá que governou de 727 a 698 a.C.. Se assim fosse, Sofonias seria de ascendência real. Mas esta identificação não é segura. As referências a Jerusalém e o conhecimento que revela das diversas partes da cidade (1,10-11) parecem confirmar que o profeta era de Judá e actuou em Jerusalém durante o reinado de Josias (640-609 a.C.).

ÉPOCA E AUTOR

No reinado de Josias, Judá estava sujeito à Assíria havia quase um século, quando Acaz pediu ajuda a Tiglat-Piléser III contra Damasco e a Samaria, em 734 a.C.. Durante o longo reinado de Manassés (698-643), o jugo assírio pesou sobre Judá e as influências estrangeiras penetraram em todo o lado, tanto nos costumes como nas práticas religiosas. Em 2 Rs 21,3-9 é narrada a introdução de cultos estrangeiros: reconstrução dos lugares altos, altares a Baal, prática de adivinhação e magia e outros cultos idolátricos.

Quando o rei Josias subiu ao trono, Judá necessitava de uma série de reformas, tanto no plano social e político como no plano religioso. Sofonias deve ter dado um impulso a estas reformas, pois denuncia a introdução de costumes estrangeiros (1,8), o sincretismo religioso (1,4-5), a violência dos poderosos (1,8.11; 3,3), os príncipes, os juízes, os profetas e os sacerdotes (3,3-4).

A reforma que Josias empreendeu, ao descobrir o Livro da Lei (622 a.C.), teve principalmente em vista o plano religioso e, nessa altura, consultou um profeta a propósito do conteúdo do Livro (2 Rs 22). Esse profeta não foi Sofonias, que provavelmente já teria morrido. Tudo isto faz supor que a sua actividade se tenha desenvolvido entre 640 e 630, alertando para a necessidade das reformas.

DIVISÃO E CONTEÚDO

O livro de Sofonias pode dividir-se em três secções:

I. O «Dia do Senhor» em Judá (1,2-2,3), um dia de juízo universal, tenebroso e terrível, que afecta principalmente Judá.

II. Oráculos contra as nações (2,4-3,8), vizinhas de Judá, e um último (3,1-8) dirigido contra Jerusalém.

III. Promessa de restauração (3,9-20). É uma mensagem de alegria pela presença do Senhor em Jerusalém e pelo «resto de um povo pobre e humilde» (3,12), salvo por Ele.

TEOLOGIA

Como os grandes profetas do séc. VIII, Sofonias denuncia as injustiças, a idolatria e todo o sincretismo religioso, os abusos das autoridades. Face a esta situação, anuncia o juízo de Deus para castigar os culpados. Mas a sua palavra não se detém no castigo: o juízo de Deus, uma vez aplicado, abre o caminho da salvação para todos os povos, principalmente para Judá e Jerusalém. É aqui que subsistirá um «resto» _tema iniciado por Amós e identificado em Sofonias com os que procuram o Senhor na humildade e na pobreza (os pobres de Javé: anawim).

Ageu

Pouco se sabe do autor ou do profeta que dá nome a este livro. Dele se fala em Esd 5,1; 6,14. O nome de Haggai, que significa “minha festa”, será possivelmente um apelido para caracterizar a sua dedicação ao culto e ao templo. O seu ministério foi de curta duração (de Junho a Dezembro de 520 a.C.). Pertence, portanto, ao último período do profetismo, o do pós-exílio, durante o reinado de Dario (tal como Zacarias).

 
DIVISÃO E CONTEÚDO

O livro do profeta Ageu não tem título e consta apenas de dois capítulos. Fala do profeta na terceira pessoa, o que supõe um grande trabalho redaccional. O texto actual deve ser obra de um discípulo do profeta, que resume a pregação do seu mestre.

Tematicamente, poderá ser dividido em quatro oráculos, datados pelo próprio autor (“No ano...”, “No dia...”):

1.° oráculo: 1,1-15;

2.° oráculo: 2,1-9;

3.° oráculo: 2,10-19;

4.° oráculo: 2,20-23.

Todos se referem ao templo e a Zorobabel, o chefe da comunidade, que tinha vindo da Babilónia com os desterrados.

TEOLOGIA

As más condições económicas, a divisão entre os residentes e os repatriados e a situação geral de pobreza tinham conduzido o povo a uma situação de desânimo. O profeta atribui esta situação à falta de piedade que se manifesta no pouco interesse pela reconstrução do templo de Jerusalém.

Os trabalhos de construção, pelo contrário, significariam o renascer da verdadeira piedade e despertariam a benevolência do Senhor com a consequente melhoria de situação.

Ao lado desta finalidade imediata e material, aparece uma outra, não menos material mas de horizontes mais amplos: reconstruir o templo significa renovar a esperança nas grandes promessas escatológicas, no futuro maravilhoso que o Senhor tem preparado para o seu povo.

Este futuro também tem a ver com as outras nações: convencidas ou derrotadas, hão-de afluir a Jerusalém com as suas riquezas (2,7.22); Israel conseguirá vencer, conduzido pelo seu Messias davídico (2,20-23), recebendo como dom a paz (2,9); o grande dia virá acompanhado de grandes convulsões cósmicas. Zorobabel e a sua obra são a antecipação desta promessa.

Zacarias

As diferenças de estilo e conteúdo entre os conjuntos 1-8 e 9-14 deste livro são tais que, hoje, é consensual que se trata de dois livros de época e autor diversos. Também é verdade que a sua junção não foi obra do acaso, uma vez que os contactos entre os dois conjuntos são suficientemente fortes para o justificarem. Analisamos cada um deles separadamente.

PRIMEIRA PARTE (1,1-8,23)

 
AUTOR E LIVRO

No AT há mais de trinta pessoas com o nome de Zacarias. Do profeta diz-se que era «filho de Baraquias, filho de Ido» (1,1.7; 7,1.8) ou «filho de Ido» (Esd 5,1; 6,14). Sem entrarmos na discussão que o caso suscita, vamos considerá-lo como da descendência de Ido, um dos sacerdotes regressados do Exílio referidos por Ne 12,4 (ver Is 8,2).

Situando-se na linha dos profetas clássicos, aparecendo mesmo na continuidade literária de alguns deles (2.° Is e Ez), o texto de Zacarias pode colocar-se perfeitamente entre o género profético e o apocalíptico.

DATA E CONTEÚDO

A actividade do profeta Zacarias (cap 1-8), a partir da cronologia que o livro nos apresenta, estende-se do oitavo mês do segundo ano de Dario (520 a.C. – dois meses depois da primeira profecia de Ageu) até ao nono mês do quarto ano (518), isto é, por dois anos. Se não temos nenhuma confirmação desta cronologia, também é verdade que não há nada que a desminta. Antes, ela concorda perfeitamente com o que se sabe de Zacarias: um dos grandes impulsionadores da reconstrução do templo, juntamente com Ageu.

Podemos dividir esta primeira parte em duas grandes secções, antecedidas de uma breve introdução:

Introdução (1,1-6): um apelo à conversão.

Primeira secção (1,7-6,15): é a secção principal do livro. Apresenta-nos oito visões com breves oráculos disseminados pelo meio daquelas.

Segunda secção (7,1-8,23): é um conjunto de oráculos, que surgem numa aparente desordem.

TEOLOGIA

Esta primeira parte do livro é certamente autêntica e está centrada em perspectivas messiânicas. A reconstrução do templo – como em Ageu – é uma das grandes preocupações do profeta, com a restauração nacional e as suas exigências de pureza e moralidade. O governo da comunidade é confiado ao Sumo Sacerdote Josué, ou Jesua, e ao governador Zorobabel (6,11-12; Esd 3,1-7).

O Messias – designado pela palavra «Gérmen» (3,8) – exerce o poder régio; entretanto, isso mesmo é dito acerca de Zorobabel em 6,12. É este, pois, que traz em si as esperanças dos repatriados. Os dois ungidos, Josué e Zorobabel (4,14), governarão em perfeito acordo (6,13). Temos, assim, a ideia antiga do messianismo real associada às preocupações sacerdotais de Ezequiel.

A influência deste profeta manifesta-se no papel relevante que têm as visões na tendência apocalíptica, na insistência na pureza e na conversão futura dos pagãos. Mas Jerusalém continuará a ser a parte escolhida por Deus, porque Ele voltará ao templo que vai ser reconstruído (2,15-17). Deus purificará a Terra Santa de todo o pecado. Na Babilónia, considerada como o centro do paganismo, será construído o templo do pecado (5,5-11).

SEGUNDA PARTE (9,1-14,21)

AUTOR E DATA

Para uma grande parte dos especialistas, estamos diante de uma antologia de textos de origem diversa que foram recolhidos e “colados” a Zacarias.

Assim sendo, não parece ser possível falar de uma unidade de autor, nem de uma data precisa. Alguns situam esta segunda parte no tempo de Alexandre Magno (332-300 a.C.).

DIVISÃO E CONTEÚDO

Esta segunda parte carece de unidade, tanto literária como do ponto de vista do conteúdo. Podemos, no entanto, subdividi-la também em duas secções:

A primeira secção (9,1-11,17), em que se fala da salvação do povo escolhido, pode dividir-se em três blocos: 9,1-10,2; 10,3-11,3; 11,4-17 (+13,7-9).

A segunda secção (12,1-14,21), caracterizada pela repetição da fórmula «Naquele dia...» (17 vezes), é de tom claramente escatológico. Trata-se da renovação de Jerusalém (12-13) e do combate escatológico (14).

TEOLOGIA

O texto do Segundo Zacarias está repleto da esperança messiânica, que se vinha apagando na comunidade. É, por isso, um dos textos mais usados no NT para descrever a figura do Messias. As imagens que usa revelam dependência de outros escritos proféticos anteriores (especialmente Isaías e Ezequiel); mas a novidade da perspectiva em que as usa concede-lhes uma clara singularidade teológica.

A imagem do salvador guerreiro, que consegue a vitória numa luta encarniçada, não é nova; que a salvação seja conseguida por um “traspassado” (12,4), por um rei humilde (9,9) ou pelo pastor rejeitado (11,4-17) não serve somente para dar alento aos desesperados de um tempo, mas aos de toda a História, e foi vista como profecia do Messias Sofredor.

Malaquias

O livro de Malaquias é o último na lista tradicional dos doze pro¬fetas menores; “o selo dos profetas”, como lhe chama a tra¬dição judaica. É possível que, de início, este livro não referisse o nome do seu profeta-autor. A referência a um “mensageiro da Aliança”, em 3,1, com a expressão hebraica “male’aki = meu enviado”, pode ter dado ori¬gem a um nome de pessoa correspondente a essa expressão, conservando o mesmo sentido. Malaquias – que em 1,1 aparece como nome próprio do profeta en¬viado por Deus – encontra-se ainda na forma de «meu men-sa¬geiro» em 3,1. A Setenta traduziu também em 1,1 por «meu enviado» e não pelo nome de Malaquias.

LIVRO

Este livro deve ter sido escrito por volta de 450 a.C., ou seja, pouco antes do ano 445, em que Neemias proibiu os casamentos mistos aos judeus. As suas atitudes enquadram-se no ambiente posterior ao regresso do Exílio, passados que foram os primeiros entusiasmos de restauração. O par¬ticula¬rismo nota-se na aversão a Esaú por parte de Deus (1,3) e na recusa dos casa¬mentos mistos (2,11).

DIVISÃO E CONTEÚDO

Depois de uma introdução (1,2-5), em que se fala da eleição de Israel, seguem-se alusões às faltas cometidas contra a aliança de Levi pelos sacerdotes e pelos fiéis (1,6-2,9), aludindo-se a um culto uni¬versal. Vem, depois, uma série de queixas contra os casamentos mistos e os divórcios (2,10-16). Em seguida, o profeta anuncia “o Dia do Senhor” (2,17-3,5) com a purificação do sacerdócio. As dificuldades que os israelitas experimentam acabarão quando estes voltarem a cumprir os seus deveres cultuais (3,6-15). No “Dia do Senhor” os bons serão recompensados e os maus castigados (3,16-21). Um apêndice (3,22-24) exorta à obser¬vân¬cia da Lei de Moi¬sés e refere uma futura vinda do profeta Elias.

 
TEOLOGIA E LEITURA CRISTÃ

Imbuído de espírito deuteronomista, o autor coloca o acento no culto. Insurge-se com violência contra os sacerdotes, que, pelas suas infide¬lidades, impedem a chegada da era messiânica. O sacer¬dote é o men¬sageiro do Deus do universo (2,7).

O universalismo é outra ideia própria de Mala¬quias. O culto será trans¬formado, na era messiânica (1,11), na linha da adoração em espírito e ver¬dade (Jo 4,23). A condenação dos divórcios (2,14-16) prepara igualmente a que será proferida por Cristo (Mt 5,31-32).

A vinda do dia do Senhor é preparada por um mensageiro (3,1; ver Is 40,3), que, na parte final do livro, é comparado a Elias, precisando-se aí também a importância da sua missão (3,22-24). Mais tarde, o Evangelho comentará esta passagem (Mt 17,10-13; Lc 1,17) e reconhecerá na figura de Elias a silhueta de João Baptista, o Precursor do Messias (Mt 11,10; Mc 1,2; Lc 7,27).

Algumas características do seu pensamento justificam a tradição bíblica de situar o livro de Malaquias na passagem do Antigo para o Novo Testamento.



"Tua Palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho". (Salmos 119:105).

Org.: Gilmar T. Santos
Lagoa Real, 31 de agosto de 2010.

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